Porque as mulheres não querem cargos de liderança

Eu sou de ouvir.  Talvez a minha melhor função seja de repórter e, graças a esse dom e ossos do ofício, tenho escutado muitas mulheres.  Da minha geração X, millenials e a geração da minha filha, a Z. Todas em uníssono com desafios gigantescos referentes à vida profissional e à saúde mental. E escutado queixas de quem lidera porque não consegue compreender a dificuldade para a ascensão profissional e o cumprimento das metas de 50% do ESG em liderança feminina para o Brasil e América Latina.

O caminho mais fácil deste discurso é colocar a culpa nas mulheres e na cultura machista a que estão inseridas. Ou até mesmo pela percepção de que elas não têm dentro de si recursos para liderar ou se achem ineptas e incapazes para a função. Sim, é verdade que muitas de nós não temos autoconfiança suficiente ou entendemos que a submissão ainda é nosso papel, mas creio que essa descrição é minoritária e devemos, juntas, mostrar a todas essas mulheres a competência intrínseca de cada uma.

Mas os relatos que colho não são sobre o autodesmerecimento. Muito pelo contrário. São de mulheres competentíssimas, eficientes e bem-sucedidas profissionalmente, mas que estão à beira do burnout. Com ou sem filhos pequenos, não encontram suporte para exercer sua profissão e ainda cuidar de seus bebês, maridos, família e ainda trabalhar 12 horas por dia ou 16h. Não há no Brasil uma rede de apoio pública ou privada para a mulher que trabalha. Não temos empresas profissionais domésticas que deem conta de uma demanda crescente de falta de mão de obra. Nossos parceiros ainda estão no tempo da “ajuda” e não da matematicamente correta posição de dividir TODAS as responsabilidades meio a meio. Isso sem falar nos cuidados com pais adoentados, familiares com dengue ou Covid, que acabam sempre nas costas femininas.

E o que acontece então no mercado de trabalho? Ou essas mulheres desistem de ter filhos, casar e ficam voltadas unicamente à profissão o que lhe trará, futuramente, ou felicidade extrema ou incertezas (maternidade é só uma delas). Ou estão tentando equilibrar os inúmeros papeis. E é nesse equilibrar que elas dizem não às lideranças porque terão mais serviço, responsabilidade e menos tempo para as demais funções.

Liderar não é só uma questão profissional individual. Liderar é saber o papel social desta empresa no suporte destas mulheres. Como dar apoio à gestação, amamentação, suporte domiciliar, rede de prestadores de serviços e horário flexível? Vai marcar palestra para uma mãe que amamenta em outro estado? Pague um acompanhante para cuidar de seu bebê.  Quer que ela trabalhe tranquila? Crie um coworking com serviço de pajens e professoras. E aqui não estou isentando o Estado de começar a preparar uma nova realidade a estas mulheres ainda neste século (mas vamos combinar que o estado brasileiro pune as mulheres que trabalham com falta de creches, ensino público precário, mobilidade zero). 

Mas, você poderia me dizer: custa caro, então é melhor contratar só homens. Vixe, se vocês são como eu e tentam contratar profissionais já sabem: as mulheres tão dando de lavada nos profissionais masculinos. E, para mantê-las, é preciso mudar toda essa estrutura.  

O quadro vai ser pior nos próximos dez anos. A geração Z não quer trabalhar tanto, não quer se dedicar só a uma empresa e tem outras prioridades, como ter mais experiências e menos bens materiais. Desta forma, estão se isentando de construir patrimônio, de ter uma vida caríssima que lhe custem a saúde física e a sanidade mental. Minha filha de 21 anos tem me ensinado muito. Já no mercado, ela tem certeza de que irá trabalhar dez anos e depois irá empreender. “Quando me tornar mãe, nascerá uma empreendedora porque não vou abrir mão de outras áreas da minha felicidade.”       

Não são as mulheres que devem se encaixar. São as empresas que precisam nos fazer mais felizes.

© 2024 Desenvolvido por Alpha Bravo

Entre em contato

Nossas Redes